Cultura Activa

Entrevistas a várias personalidades ligadas à cultura

Monday, October 25, 2010

Alice Vieira

Alice Vieira é um dos grandes nomes da cultura portuguesa, nomeadamente na escrita para os mais jovens. Contudo, a sua obra é marcada por livros fascinantes também para adultos, tendo uma enorme projecção a nível nacional e também internacional. O Cultura Activa volta ao activo com aquela que é uma das melhores entrevistas até à data, obra da simpatia de uma grande senhora de Portugal

de 1- Em que momento da sua vida é que decidiu ser escritora e jornalista? De onde surgiu esse gosto pela escrita?

sds Jornalista, desde sempre. Não me lembro de nenhum momento especial, eu era muito criança e já dizia que queria ser jornalista. Em minha casa sempre entraram muitos jornais, as tias que me criaram sempre disseram que eu tinha aprendido a ler (sozinha…) nas letras gordas dos jornais…Não me lembro. Mas nunca me lembro de ter querido ser outra coisa. Escritora—nunca me passou pela cabeça… E só muito tardiamente admiti que era (também) a minha profissão. Eu já tinha uns seis ou sete livros publicados e ainda pensava “um dia deixo os livros, isto não é a minha vida, trabalho tenho eu que chegue no jornal,” etc, etc… Mas ainda hoje , quando me perguntam a profissão, eu digo: “sou uma jornalista que também escreve livros. Porque o jornalismo tem tudo a ver como meu tipo de escrita, a escolha de temas, etc.

2 w 2 - É considerada uma das mais importantes escritoras de literatura infanto-juvenil. De onde surgiu o gosto pela escrita para os mais pequenos ?

ww Comecei a escrever para os mais pequenos por brincadeira. Estava de férias com os meus filhos (na altura com 9 e 10 anos) e, para ver se eles se entretinham com alguma coisa, propus-lhes escrevermos os três uma história. Tínhamos 20 dias para isso—era o tempo que eu tinha de férias…Eles aceitaram a ideia com grande entusiasmo—e assim nasceu “Rosa, Minha Irmã Rosa”. Depois continuei nessa área, por uns tempos. Hoje escrevo para todas as idades.


3- 3- Escreveu também obras direccionadas para os adultos. Entre a literatura juvenil e a adulta, qual prefere e porquê?

Hoje tenho realmente muitos livros para adultos, entre poesia, romance, crónica. Não estabeleço preferências, estabeleço corresponder ao que as 5 editoras para quem trabalho querem de mim. Sou muito profissional. Mas posso garantir que nada me dá mais trabalho do que os livros para crianças. Entre juvenil e adulto faço pouca diferença—e é para estes que tenho trabalhado mais.


4- w 4- Em 1979 recebeu o seu primeiro prémio. Como viu na altura o facto de ser premiada? Como descreve a sua evolução a nível de escrita ao longo dos anos?

Admirei-me imenso! Quando me ligaram para o DN a dizer “ganhaste o prémio”-- eu só perguntei: “prémio? Qual prémio?!” Já nem me lembrava… E realmente apanhou-me desprevenida. A evolução a nível de escrita é o resultado da evolução a nível pessoal : 31 anos depois eu mudei, as crianças mudaram, o mundo mudou, tudo mudou. Claro que a escrita também tinha de mudar : há temas diferentes, maneiras diferentes de os abordar. Mas, no essencial, eu acho que as coisas não mudaram assim tanto (as angústias, os sonhos, os medos,etc…)—e assim se explica que, 31 anos depois, os jovens continuem a gostar de ler “Rosa , Minha Irmã Rosa”, tal como lêem os romances mais recentes.


ww 5- É também fã dos seus livros? Qual foi o livro que escreveu, ou quais, que a tenha marcado especialmente?

Há um anúncio que diz, a propósito não me lembro de quê, “ se eu não gostar de mim, quem gostará?!” E este “gostar de mim” implica um enorme rigor, rasgar, rasgar, rasgar e rasgar sempre antes de encontrar a palavra que se procura. Já me aconteceu deitar fora romances prontos, antes de os entregar ao editor…Releio-os, mais uma vez, e acabo para mandar tudo para o lixo. Eu só entrego um original quando tenho a certeza absoluta de que não sou capaz de fazer melhor.( Por isso me assusta tanto esse terrível facilitismo que atacou este país….) E porque sou tão exigente com todos não tenho nenhum que destaque especialmente: gosto de todos, todos são diferentes, todos me deram imenso trabalho, todos me levantaram muitos problemas. Aqueles de que não gostei…estão no caixote do lixo!


6-w 6- Como vê o actual estado da cultura em Portugal? O que faria para impulsiona-lo? Que áreas artisticas destaca no nosso país?

Acho que nunca houve época alguma no nosso país em que as pessoas estivessem satisfeitas com o estado da cultura…O estado da cultura é o resultado da falta de instrução, da falta de educação, do deixa-andar, do estado lastimável a que chegou o ensino, etc,etc,etc. E toda a gente se lastima, e chora, e acha que os subsídios nunca chegam—mas a verdade é que as pessoas deixaram de comprar livros ( e não, não é pelo preço, há coisas bem mais caras que as pessoas compram e não se queixam; é tudo uma questão de prioridades, e lá dizia o Camões “quem não conhece a arte não a estima”), as pessoas deixaram de ir ao cinema, deixaram de ir ao teatro, ficam em casa de olhos vidrados num écran, seja ele qual for—e assim é muito difícil que a cultura seja, como deveria ser, um bem de primeira necessidade.


7-w 7- Fale-nos um pouco dos seus interesses pessoais, a nível de cinema, literatura, música, etc

Tenho os interesses normais das outras pessoas…Gosto muito de cinema (mas aborrecem-me os filmes que só valem pelos efeitos especiais, daí que um dos últimos que vi e de que gostei muito fosse “Eu Sou o Amor”, sem nada dessas coisas…), de teatro, de música (nada me faz melhor do que descer a minha rua e enfiar-me na Gulbenkian nos concertos ao fim da tarde…). Leio muito, sempre, compulsivamente. Já tenho na mala para férias “A Governanta”, do Joaquim Vieira, “O Que Faço Eu Aqui?”, do Bruce Chatwin, “O Elefante Evapora-se” do Murakami, e “Friday Nights” da Joanna Trollope. O sítio para onde vou não tem livrarias por perto, e morro de medo de ficar sem leitura…

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8-w 8- Fale-nos de um momento da sua infância que a tenha marcado especialmente.

Eu tinha nascido há duas semanas quando a minha mãe decidiu que não estava para me criar e me deu a uma tia-avó. Acho que a minha vida se desenhou nesse dia.


9- Como vê a evolução do jornalismo em Portugal nos últimos anos? Considera que actualmente é mais dificil fazer jornalismo em Portugal?

Se tudo está mal, por que haveria o jornalismo de estar bem? Tudo tem a ver com tudo, e aplica-se aqui o que eu respondi acima, sobre a cultura. Mas, apesar das dificuldades, apesar das incertezas, apesar dos grupos que concentram em si todos os jornais e tvs—não posso esquecer, porque o vivi, que no meu tempo de jornalista jovem tínhamos uma ditadura, uma censura e uma guerra em África. Desculpem, mas nessa altura era bem mais difícil, mais arriscado, mais perigoso.


10- Que conselho daria a quem pretende iniciar carreira na área do jornalismo?

Nenhum. Quem quer MESMO ser jornalista não pede conselhos a ninguém e está preparado para aguentar tudo. Se desistisse depois de ouvir as minhas palavras, era sinal de que se calhar não estava assim com tanta, tanta vontade de entrar no jornalismo...