Cultura Activa

Entrevistas a várias personalidades ligadas à cultura

Friday, April 30, 2010

José Manuel Simões


José Manuel Simões é jornalista, percorreu meio mundo, é coordenador dos estudos de comunicação e media da universidade de São José, em Macau, escreveu várias biografias de músicos famosos, entre eles David Byrne e Júlio Iglésias, e teve o prazer de privar e travar amizade com Sting, Iggy Pop, ou Celine Dion.
Actualmente publica as suas crónicas sobre vários artistas que entrevistou, na revista "Vidas" do Correio da Manhã.
José Manuel Simões é um homem apaixonado pelo mundo, pelo que faz e pela cultura. Ao Cultura Activa, o jornalista partilha connosco histórias pessoais, vivências passadas e opiniões criticas.

1- É formado em Comunicação e Jornalismo. De onde surgiu esse seu interesse pela área da comunicação? Foi algo que sempre quis fazer?
Em 1988, então com 25 anos, tive um sonho. Decidi conhecer todos os Estados do Brasil, as capitais de todos os Estados e alguns lugares que o Mundo ainda hoje não conhece. Três anos mais tarde esse sonho estava realizado, regressando a Portugal com um valioso acervo fotográfico, um ensaio para um livro, milhares de quilómetros percorridos, uma barba copiosa, um raro espírito de aventura, os alicerces para uma tese de doutoramento sobre uma tribo indígena que irei defender no próximo mês. Estavam criadas as condições básicas para me tornar num bom jornalista: fotografava, escrevia, filmava, comunicava com igual apetência por várias vias e canais. Fui parar à Escola Superior de Jornalismo do Porto onde, terminado o curso com uma média de 18 valores, fui convidado, numa altura em que já era jornalista da secção de cultura e espectáculos do Jornal de Notícias, a leccionar. Era o ponto de partida para uma apaixonante carreira com passagem pelo primeiro mestrado em Comunicação e Jornalismo da tradicional Faculdade de Letras da Universidade da minha Coimbra natal.


2- É jornalista, professor e tutor. Qual destas "profissões" realmente o apaixona mais?
Sou, por natureza, um apaixonado por tudo – ou quase tudo - o que faço.


3- Ao longo de décadas entrevistou várias pessoas ligadas à música. Há alguma delas que consiga destacar como tendo sido uma influência para si?
Estou muito grato ao destino que me permitiu entrevistar, conhecer, conviver, tornar-me amigo de artistas do calibre de Sting, Iggy Pop, Skin, Celine Dion, Ney Matogrosso, Fafá de Belém, Caetano Veloso, Miguel Angelo, Paulo Gonzo, Olavo Bilac entre mais algumas centenas de pessoas que me marcaram. Ao escrever as biografias de Cesária Évora, Júlio Iglésias,Delfins e David Byrne criei laços que perdurarão até à eternidade. Devo o nome da minha filha, Heaven, e do meu filho, David, ao David Byrne. O Miguel Angelo, dos Delfins, é um dos meus melhores amigos e o padrinho do meu David Ari, agora com quatro anos.


4- Escreveu biografias de músicos e conjuntos muito diferentes. De onde vem este seu gosto pela música, nomeadamente por entrevistar músicos? Pode partilhar connosco alguma história mais marcante sobre algum músico que tenha escrito a biografia?
Entrei nos camarins do Coliseu do Porto, a Cesária Évora, na primeira vez em que estava em Portugal, mandou-me sentar e, sem me fitar, diz, com rudeza: “pergunte”. Só a consegui conquistar depois de lhe pedir para partilhar comigo a segunda garrafa de aguardente. O Julio Iglésias não me perdoou o facto de eu ter tornado público coisas que apenas os íntimos conheciam e não autorizou a biografia que dele escrevi e que, mesmo que não autorizada, decidi publicar. Quanto à música, é amor incondicional e permanente.


5- Fale-nos de um momento da sua infância/juventude que o tenha marcado de tal forma, que tenha alterado algo em si, na sua forma de agir ou pensar.
Aos quatro anos, ajoelhado à beira da cama da minha mãe, dei-lhe a mão e disse: “mamã, não morras que eu preciso muito de ti”. E ela não morreu.


6- Fale-nos um pouco dos seus gostos culturais, nomeadamente no cinema, música, literatura, etc
Sou versátil e eclético, abrangente e flexível. Os meus gostos reflectem isso mesmo. Neste preciso momento estou a ouvir Pink Floyd, “Wish You Were Here”, o primeiro disco que comprei, e a ler “The Celestine Prophecy” de James Redfield. Como vê sou uma pessoa com a espiritualidade à flor da pele.


7- Entrevistou vários estrangeiros ao longo da sua carreira como jornalista. De todas as suas experiências estrangeiras qual é a que destaca?
Fui convidado para estar presente numa festa de lançamento de um disco, “Butterfly”, da Mariah Carey, na discoteca “Chez Paris”, em Londres. Às tantas ela chega, senta-se numa cama estrategicamente colocada no meio da pista onde recebe os amigos mais íntimos. De repente, decido: ela conhece tanta gente que vai lá lembrar-se que nunca me viu mais gordo. Aproximei-me, “Mariah, hello darling”, e entre flashes de fotografias, dei-lhe um copioso beijo.


8- É actualmente coordenador dos estudos de comunicação e media da universidade de São José, em Macau. Como tem sido para si essa experiência? Refira algumas das principais diferenças entre Portugal e Macau, nomeadamente na área cultural e baseado na sua experiência pessoal.
Um dia destes, o meu amigo Miguel Ângelo veio a Macau dar um dos últimos concertos dos Delfins e às tantas dizia-me: “Macau é interessante mas eu não conseguiria viver aqui pois falta-lhe cultura pop”. É um facto que não invalida que goste de morar aqui. Aprecio o dinamismo deste espaço algo claustrofóbico mais virado para o futuro. Comparo Portugal a um velhinho simpático, caduco e de bengala na mão e Macau a um menino traquina cheio de vida e esperança no futuro.


9- É cronista para a revista Vidas, do Correio da Manhã. Como tem sido para si esse projecto?
A minha crónica “Histórias de Bastidores” nasceu com a publicação do suplemento “Êxito” do Correio da Manhã e espero que dure muitos e muitos anos. Entre algumas fofoquices e inconfidências acho que encontrei uma forma de dar a conhecer os artistas para além do que o público deles conhece.


10- Que áreas ligadas à cultura destaca em Portugal? Estamos a dar a devida importância à nossa cultura?
Para além dos concertos de música e dos festivais de Verão Portugal não valoriza a cultura. Aliás, no calão jornalístico não se diz cultura mas coltura. Seja lá o que isso for parece-me sintomático.


11- Como vê a actual situação da cultura em Portugal? O que faria para a impulsionar?
Portugal é como o fado. Triste, melancólico, fatalista. Mas bonito. E falido. A cultura é que paga as favas da arrogância, incapacidade, e falta de dinamismo dos nossos políticos. Como não existe alternativa capaz de alterar o estado melancólico da cultura e da nação só nos resta a esperança nas futuras gerações.





Sunday, April 25, 2010

Tiago Rebelo

Tiago Rebelo é um dos escritores do momento em Portugal. O seu livro "O Homem que sonhava ser Hitler" tem lhe valido vários elogios da crítica. Ao longo de vários anos Tiago Rebelo conciliou a sua profissão de jornalista ( está há 16 anos ligado à TVI) com a de escritor. Ao Cultura Activa explica-nos como é possível conciliar essas duas profissões e mostra-nos um pouco mais além do homem com uma carreira repleta de sucessos.




1- Nos últimos nove anos publicou quinze livros. Como é que concilia a sua profissão de jornalista com a de escritor? Qual delas lhe dá realmente mais satisfação?

Tenho as duas profissões, cada uma com o seu espaço. Como a de jornalista tem horários, a de escritor adapta-se, mas normalmente escrevo de noite. Quando se gosta arranja-se sempre tempo. Não prefiro verdadeiramente uma delas, gosto das duas.


2- A sua ligação à Rádio Renascença durou oito longos anos. Como foi para si participar nesse projecto?

Foi muito bom. A rádio dá muita experiência de comunicação, especialmente para quem vai trabalhar a seguir na televisão. Eu comecei na rádio e foi através dela que fiz algumas das reportagens de momentos históricos mundiais, como a Guerra do Golfo.


3- Está ligado à TVI há já dezasseis anos. Como tem sido a sua evolução como jornalista nessa estação televisiva? Tendo em conta o seu início de carreira e o momento actual.

São, de facto, muitos anos a trabalhar em televisão (também estive três anos na RTP) e representam uma evolução com a experiência acumulada, até porque a própria televisão também teve uma enorme evolução durante estes anos.


4- O seu novo livro, " O Homem que sonhava ser Hitler", fala de democracia e situações extremas. Do seu ponto de vista, como é que vê a actual democracia praticada em Portugal?

É uma democracia bastante pobre, com políticos de pouca qualidade e, muitos deles, com uma ética muito duvidosa. O meu livro reflecte esta avaliação do momento presente. Mas a situação também é reflexo de uma sociedade pouco exigente e pouco interventiva, que se limita a deixar o seu destino nas mãos desses políticos.



5- Como tem sido para si a vida de jornalismo? A nível pessoal, de experiências e vivências, e a nível profissional. Foi algo que sempre quis fazer?

Foi algo que eu sempre quis fazer e, embora seja uma profissão que também tem a sua rotina e as suas frustrações, dá-nos oportunidade de participar em acontecimentos como nenhuma outra.


6- É um escritor bastante versátil, escrevendo desde livros para crianças a questões sociais e humanas. Onde vai buscar a inspiração para chegar a tantos pontos opostos? Quais as suas influências?

Um escritor escreve sobre aquilo que conhece, caso contrário não teria nada para escrever. Aquilo que eu escrevo aborda os assuntos que, a cada momento, me entusiasmam. Quanto às histórias propriamente ditas, são fruto de um trabalho diário. Enquanto escrevo vou descobrindo o caminho e o desfecho dessas mesmas histórias.


7- Quais são os seus gostos culturais? Nomeadamente no cinema, música, literatura, etc?

De literatura, leio um pouco de tudo, de uma forma um pouco errante. Gosto de ler bocados de livros, às vezes só para ver como escrevem os outros autores. Também gosto de ler livros sem parar quando fico preso a eles. A música que mais ouço é a que dá na rádio, Mega FM, Comercial. Gosto particularmente de cinema e isso aliás, reflecte-se na minha forma de escrever, bastante visual.



8- Como vê o actual estado da cultura em Portugal? Que medidas tomaria para impulsionar a cultura?

Acho que a cultura em Portugal é pobre. O actual Primeiro-Ministro, no final do seu primeiro governo, admitiu que tinha deixado a cultura para trás, o que é lamentável, tanto mais porque tomou esse exemplo de auto-crítica dando a impressão de que era, para ele, o menos mau para mostrar uma certa humildade. Eu entendo que a cultura não deve ser subsídio-dependente, mas penso que deve ser protegida. As figuras da cultura estão sempre entre os principais embaixadores de todos os povos e uma sociedade que não tem uma cultura forte é uma sociedade atrasada e pobre. O cinema em Portugal não tem expressão, a música portuguesa quase não passa nas rádios, não existem verdadeiras indústrias destas artes. Não temos museus de referência e a literatura ainda é a que vai estando melhor, embora seja muito difícil um autor subsistir da escrita.


9- Que áreas culturais destaca em Portugal?

A literatura e a pintura vão tendo alguma projecção, mas muito pouca.



10- Se pudesse escolher uma pessoa para governar o país quem seria?

Não escolheria ninguém em particular. Infelizmente, os partidos não nos dão escolhas de grande qualidade e quando votamos devemos fazê-lo tendo em conta factores como os projectos políticos e os seus representantes. Não se pode esperar que um Primeiro-Ministro sozinho seja a solução de todos os problemas. Precisamos de muitos políticos de qualidade, tanto no governo como na oposição. E precisamos de uma sociedade que não pense que o país pode ficar entregue a meia-dúzia de políticos e que depois se queixe na mesa do café. Precisamos de uma sociedade que, quando acusa alguns políticos de serem vigaristas, depois não vá votar neles, argumentando que são vigaristas competentes.


11- Que conselho daria a quem pretende iniciar uma carreira de jornalismo?

É uma profissão muito exigente e só deve ir para ela quem se sentir mesmo com vocação. Hoje em dia é muito difícil entrar na profissão porque há pouca oferta de trabalho. Também por isso, não se ganha muito. Mas, a persistência é uma das maiores virtudes.



Wednesday, April 21, 2010

Katia Guerreiro

Katia Guerreiro é um dos grandes nomes do fado da actualidade. Através da sua encantadora e sentimental voz, a artista carrega e transmite o peso da cultura portuguesa além fronteiras. Com a sua música, Katia Guerreiro dá a conhecer o verdadeiro Portugal, aquele que possuí uma história vastíssima, repleta de vitórias e conquistas. O Fado está mais bonito, a cultura portuguesa também. O Cultura Activa fez várias perguntas à artista que está a fazer o mundo apaixonar-se por Portugal.



1- Nasceu na África do Sul e cresceu nos Açores. Qual é a sua actual ligação com cada um desses sítios?
Com a África do Sul tenho pouca ligação para além da ligação afectiva, pelo facto de lá ter nascido. Com os Açores mantenho uma estreita relação, já que esse é o meu refúgio para recuperar energias.


2- Apesar de ter seguido a carreira musical, tirou um curso exigente (medicina).
Como concilia as duas profissões? Qual delas lhe dá verdadeiramente mais prazer?
Concilio-as com bastante esforço físico, naturalmente. Neste momento estou mais calma na medicina, apesar de não ter parado totalmente de exercer a actividade.
Ambas me dão muito prazer e tenho grande dificuldade em responder a esta questão, pois cada uma ocupa lugar distinto na minha vida. Certo é que inicei as duas carreiras ao mesmo tempo, portanto lido com isto de forma muito natural.


3- De onde nasceu o seu gosto pela música e medicina?
Pela música, ainda muito nova nos Açores quando comecei a tocar Viola da Terra (instrumento típico da região). A partir daí percebi que tinha uma intuição musical, mas o canto aconteceu um pouco mais tarde, mas sem que eu alguma vez ambicionasse iniciar algum caminho na área.
Pela medicina foi quando aos 16 ou 17 anos de idade decidi enveredar pelo curso, para poder usar a minha vontade de ajudar os outros através da ciência. É uma paixão que me absorve.


4- Como conheceu o grande fadista João Braga e como nasceu essa relação de "padrinho - afilhada"?
O João Braga ligou-me exactamente no dia em que me formei em medicina para me convidar para participar no concerto que assinalava o 1º aniversário sobre a morte de Amália, por ter ouvido falar muito bem de mim e da minha voz. Fui a um ensaio em sua casa e no dia 6 de Outubro de 2000 pisei o palco do Coliseu, sendo este o momento de mudança total da minha vida.


5- Qual é a sua visão sobre o actual estado do Fado em Portugal? E no estrangeiro? Como é que os estrangeiros recebem o Fado?
O Fado em Portugal começa a ganhar mais força. Mas isto só acontece depois do estrangeiro mostrar um entusiasmo algo misterioso sobre esta música que envolve as mais profundas emoções e os mais íntimos sentimentos. Lá fora, públicos dos mais diversos países choram nos concertos e depois de se apaixonarem chegam a aprender a nossa língua para entenderem na íntegra o que esta música transmite. É muito curioso. Hoje o fado é um veículo muito importante da nossa cultura, da nossa língua e o melhor cartão de visita para sermos visitados. Por cá ainda não se aperceberam disto. E basta visitar casas de fado para nos capacitarmos disto. É a primeira coisa que os turistas querem fazer quando chegam a Lisboa.


6- Fale-nos um pouco das colaborações que teve com vários artistas como Ney Matogrosso, Rui Veloso e Dulce Pontes.
Têm acontecido de forma muito natural e são parcerias com muito sentido. Todos os artistas com que me tenho cruzado e cantado têm uma forma de estar nesta arte muito semelhante à minha.


7- De todos os países por onde já passou, qual é o que destaca como o que a recebeu melhor e principalmente à sua música?
Apesar de nunca ter sentido nenhum público hostil, desde o Brasil à nova Caledónia, ao Japão, Tunísia, Turquia,…, na verdade o meu público mais fiel é o público francês. Tenho assistido a gente a fazer 800 km para vir a concertos em diversos sítios de França.


8- Fale-nos um pouco do que gosta de ler, ouvir, etc. Preferencialmente português.
Acabo agora de ler “Nem só quem nos odeia” de Maria Rosa Colaço, estou a reler “Em nome da Terra” de Virgílio Ferreira, tenho ouvido muito Ricardo Ribeiro, um grande fadista desta nova era. Televisão vejo pouco.


9- Fale-nos de uma memória que tenha da sua infância.
Falo-vos das memórias de um mar único que me inspirou durante a infância e adolescência. O mar dos Açores com que acordava todos os dias e que trazia a certeza de um futuro virado para o mundo. Junto com esse mar, os amigos e os lugares que me ajudaram a crescer e que são ainda hoje âncora de emoções.


10- Como vê o actual estado da cultura portuguesa? O que alteraria?
A cultura está dependente do estado do nosso Estado. Mudaria essencialmente a quantidade e qualidade de ferramentas atribuídas ao Ministério da Cultura e ao Instituto Camões que tantas vezes deixa de apoiar por falta de meios.


11- Que áreas destaca na cultura portuguesa?
As artes plásticas estão em grande ascensão, novos artistas já com enorme destaque internacional como Joana Vasconcelos, Adriana Molder. Na música mais uma vez destaco o Fado de que me orgulho tanto de fazer parte. O cinema está em alta, e os nossos realizadores e actores começam a ofertar-nos com produções de alta qualidade.


12- O que é que o futuro próximo lhe reserva a nível profissional?
Concertos em sítios novos para mim como Israel, África do Sul, Pólo Norte, uma tournée com a Orquestra da Normandia a começar já em Maio, uma tournée na Noruega em Novembro, e concertos um pouco por Portugal, que terminarão com 2 concertos em Lisboa, no cinema São Jorge.


Sunday, April 18, 2010

Paulo Querido


Paulo Querido é jornalista, consultor de new media e empreendedor web. Ao longo dos últimos anos trabalhou para o Jornal Expresso e a Gazeta dos Desportos. A sua carreira fica marcada por vários sucessos, tanto a nível de inovação, como de trabalho de pesquisa.
Actualmente é consultor e um jornalista dos "novos tempos", completamente confiante quanto às novas tecnologias. Ao Cultura Activa, Paulo Querido falou do passado, do presente e do futuro. Mais uma entrevista de orgulho para este blog.


1- De onde surgiu o seu interesse pelo jornalismo? E pelas novas tecnologias?
Eu não tinha propriamente um interesse específico no jornalismo. Surgiu-me como uma hipótese de trabalho preferencial, uma vez que tinha a ver com escrita. Eu treinava muito a escrita, quando adolescente. Trabalhei pela primeira vez num jornal em 1978. Era "A Nação" e, entre outros, conheci lá o Carlos Pinto Coelho e o José Eduardo Moniz. Mas eu era então estafeta -- pau para toda a obra dentro de uma redacção. Publiquei aí os meus 2 primeiros artigos pela mão do editor de Cultura, que era o João Alves da Costa. Mas só fui jornalista-estagiário dois anos depois, na Gazeta dos Desportos.
Já com as novas tecnologias foi diferente. Comecei por ter aversão, ainda jovem, mas um anúncio no extinto Se7e -- Sinclair, o poder do computador ao seu alcance -- intrigou-me. Comprei um Spectrum e percebi de imediato o poder que a informática iria ter sobre a informação, a minha área. Nunca mais parei de aprofundar conhecimentos.



2- Exerceu durante muitos anos a profissão de jornalista, sendo actualmente consultor. De todo o seu percurso profissional, que momento destaca como o que lhe deu maior satisfação pessoal?
Não consigo isolar um, mas cinco. E não conto os prémios, que são sempre momentos de satisfação.
Na Gazeta dos Desportos, como em todos os jornais, fazíamos as classificações do futebol à mão, com uma calculadora perto. Eu e um amigo escrevemos um programa em BASIC que reduziu essa tarefa de 3 a 4 horas para menos de 30 minutos. Isto passou-se no início da década de 80.
Ainda no Diário Popular, uma reportagem minha que foi manchete, sobre um miúdo baleado enquanto brincava, levou o então Primeiro Ministro Cavaco Silva a chamar-nos aos dois -- a mim e ao miúdo -- a São Bento. Cavaco Silva interessou-se pela história e quis ajudar o miúdo de alguma forma. Eu fui por arrasto, claro. A satisfação esteve em ver a cara de feliz do rapaz quando recebeu a prenda do PM.
Já no Expresso, fiz uma entrevista a um velejador português em pleno Oceano Pacífico -- João Cabeçadas -- usando a CompuServe, uma das redes comerciais que erntão proporcionavam alguns serviços em cima da Internet. Um colega -- o Norberto Santos, então da Lusa e nosso colaborador -- ficou fascinado com a CompuServe porque permitia acesso aos jogos e classificações da NBA, que ele cobria para o Expresso; habitualmente só tinha informação 2 dias depois, e de forma irregular -- dependia do tráfego que circulasse entre agências, quando a linha era ocupada por muito noticiário a NBA ficava para trás. Nesse tempo as linhas por onde circulavam as notícias eram poucas e muito limitadas. O Norberto e eu fizemos um brilharete e o Expresso passou a dar regulamente e sem problemas os resultados da NBA. E depressa passámos a recolher mais informação desportiva por ali.
Outro momento alto no Expresso: introduzi no jornal a infografia feita por computador. Fomos percursores no caderno de Desporto. Chegámos a ter capas com infografias, produzidas exclusivamente em computador (usava o CorelDRAW! sobretudo). Não continuei porque o meu interesse era apenas o de abrir as portas para a inovação; o Expresso contrataria mais tarde infografistas, além de ter formado alguns.
E o quinto momento alto: quando, no Público, há cerca de um ano, o António Granado e o José Manuel Fernandes aceitaram a minha proposta para um dossiê total sobre as eleições. O dossiê tinha tudo, desde os resultados das sondagens até à avaliação das citações dos candidatos, com os resultados em gráficos, até à recolha das notícias sobre as eleições, produzidas quer pelo Público quer pelos outros jornais (até hoje nenhum jornal português teve coragem de fazer sistematicamente links para o noticiário dos concorrentes), até à recolha dos blogues e das redes sociais.

3- Como vê a situação actual do jornalismo em Portugal? Quais são as principais diferenças desde que iniciou a sua actividade profissional?
O jornalismo atravessa um momento de desorientação em Portugal, como de resto em praticamente todo o mundo. Essa desorientação prende-se com a economia da actividade, em primeiro lugar, mas também com o propósito da profissão, que tem de acompanhar a situação das novas "audiências".
Noto 3 grandes diferenças para o meu tempo. 1: os jornalistas são hoje em geral melhor formados em termos académicos. 2: O acesso à profissão está mais difícil: é preciso cumprir períodos de estágio não remunerado longos. 3: a investigação é hoje mais difícil de efectuar, sendo que se pede ao jornalista um ritmo de produção que não se compagina com aprofundar as diligências inerentes à investigação.



4- Como define a actual situação cultural de Portugal? O que faria para impulsionar a cultura?
Defino-a como adequada, ou talvez até sobre-dimensionada para o país que somos, com um excesso de oferta. Só públicos sensibilizados se tornam em consumidores culturais, pelo que eu, sendo poder, investiria na educação, formação e sensibilização desde o jardim de infância. Mas admito que a minha seja uma perspectiva demasiado banal do assunto, que não é propriamente dos que mais me interessam.


5- Se pudesse escolher uma pessoa para governar Portugal, quem seria?
José Sócrates. Ainda.


6- Fale-nos um pouco dos seus gostos culturais, nomeadamente no cinema, literatura, música, etc
Sou um tanto ecléctico. No cinema é verdade que já passei a fase intelectual e hoje prefiro as produções comerciais. Aprecio os actores e realizadores americanos e sigo algumas carreiras. Da literatura estou um pouco distante agora. Leio sobretudo livros de não-literatura: investigação, pesquisa, tecnologia. O mais perto da literatura que ando, é quando leio alguma biografia. O romance nunca foi o meu forte -- exceto a ficção científica, que devorei em larga escala até há uns anos atrás. Na música o meu ecletismo chega a ser doloroso :) Gosto de rock, hard-rock e rock sinfónico dos anos 70-80, mastigo alguma pop, tendo a ouvir mais música clássica ultimamente (já venho tarde para um sistematização de autores, vou apreciando) -- mas fã, a música a que chamo minha, é o jazz, são os blues, e é a pop electrónica.


7- Que área cultural destaca em Portugal?
A principal área cultural em Portugal é a cultura popular, que se desenvolve fora dos principais eixos comunicacionais em que giram as elites, que a consideram muito justamente desagradável. Contudo, ela é a mais pujante actividade, sendo tão forte que já cativou recursos antes dedicados às áreas para elites.
A cultura popular não fornecerá obra de relevo, claro. Mas ao menos alicercou uma actividade industrial que fomenta algum emprego cultural. E as áreas elitistas, por alguma razão que desconheço, também não têm produzido nada que jeito tenha.


8- A nível jornalístico, quais as grandes diferenças para si entre Portugal e o resto da Europa (França, Alemanha, Reino Unido, Itália). Portugal fica atrás do resto dos países?
Penso que falta a Portugal a massa crítica capaz de justificar a manutenção de um jornalismo de qualidade ao nível da Alemanha e do Reino Unido. Estou demasiado distante do dia a dia dos outros países para me atrever a uma opinião, por simples que seja.



9- Muito do seu trabalho foi desenvolvido à volta da internet. Como vê actual a importância da internet? E para o futuro, onde podemos chegar a nível de comunicação?
A importância da Internet é mensurável de 2 formas. Pelo destaque que obtém na sociedade, visto através do peso nos media: neste aspecto, tenderá a diminuir de importância à medida que se vulgariza. Quanto à importância que tem para as nossas vidas, tem vindo a aumentar e vai continuar. A diferença é que dentro de um par de anos deixaremos de falar dela como o temos feito: passará a estar no mesmo patamar que a rede telefónica ou a rede viária.
Para o futuro breve, teremos os objectos ligados: o meu frigorífico ligado à minha conta no supermercado, o meu automóvel ligado
aos circuitos das estradas e do estacionamento. Mais à frente os objectos comunicarão com cada vez maior autonomia.

Wednesday, April 14, 2010

Ana Free


É jovem, licenciada em Economia, um dos nomes portugueses mais conhecidos da actualidade no mundo da música, uma simpatia imensa e uma lutadora. A juntar a isto tudo ainda sabe falar inúmeras línguas, tal como o Grego! Ficou conhecida pelos seus videos no youtube, onde aparecia a tocar guitarra e a cantar. É cantora e chama-se Ana Free. É com grande prazer do Cultura Activa que é a próxima entrevistada.



1- Começou a compôr e a tocar desde que era muito jovem. De onde veio a sua paixão pela música? Como é para si o processo de criar música? É algo natural?
É verdade que comecei a tocar guitarra muito cedo. Foi o meu pai que me ensinou os meus primeiros acordes e desde então nunca olhei para trás. Tenho uma paixão enorme pela vida e por viver, não só a música. Normalmente, o processo de criar é super pessoal se estiver a escrever sozinha, se colaborar com outros artistas torna-se um processo mais mexido e mais aberto a ideias e mudanças. Inspiro-me facilmente em muitas coisas diferentes. Normalmente, só consigo escrever bem à noite ou no estúdio, mas às vezes preciso de me distanciar das gravações. A maior parte das minhas músicas são inspiradas pelas minhas próprias experiências, ou pessoas que fazem ou já fizeram parte da minha vida. São raras as vezes em que escrevo do ponto de vista de outra pessoa, mas também acontece. A música “The Rain” por exemplo, não é autobiográfica. É uma música que simplesmente foi escrita a partir da minha imaginação e de histórias contadas. De qualquer maneira, é sempre algo muito natural e acredito que nunca se deve forçar uma música.


2- É licenciada em Economia. Quais os seus objectivos profissionais nessa área, tendo em conta que possuí este curso?
Tirei o curso de Economia porque gosto imenso de estudar e aprender. Não queria faltar à experiência de ir para a faculdade! Decidi que gostava de Economia e portanto foi uma decisão fácil. Não tenho propriamente objectivos profissionais com respeito a isso, simplesmente gosto de conseguir pensar como economista e saber que tenho um plano B. Talvez gostava de conciliar as duas áreas de música e economia um dia!


3- Como foi para si a primeira vez que actuou ao vivo na televisão? Esperava vir a ter tanto sucesso?
A primeira vez que actuei ao vivo na televisão estava muito nervosa, foi um momento importante para mim. Lembro-me de preparar a música e de que simplesmente não me calava por causa dos nervos e do calor intenso do verão! Foi bastante cómico agora que olho para trás e penso nesse dia. Estava super orgulhosa, e surpreendida com a magnitude da reacção do público.


4- Cresceu em Cascais, mas sempre teve uma estreita ligação com o Reino Unido. Como foi a sua infância? Os seus familiares apoiavam-na na decisão de seguir uma carreira musical?
Tive uma infância mesmo feliz, cheia de amor e carinho. Os meus pais e o meu irmão são pessoas únicas, e sem a minha família ao meu lado, nada disto seria completo. Sempre me apoiaram, e sempre há de ser assim penso eu. Os meus avós também tiveram um impacto enorme na minha vida, e por isso estou muito grata. Sou muito sortuda, e quero que eles saibam que são extremamente importantes para mim.


5- Como é para si ser tão acarinhada pela internet, tendo em conta que era uma artista desconhecida e que gradualmente foi ganhando inúmeros fãs. Como é realmente sentir que por mérito se está a ganhar sucesso?

A internet tem várias vantagens. Dá-me a oportunidade de partilhar o meu trabalho e as minhas aventuras com o resto do mundo on-line, e como a internet não tem barreiras, consigo partilhar as minhas experiências e a minha música com pessoas em sítios totalmente diferentes e espalhadas por todo o mundo. Não é a internet que me tem acarinhado, são os fãs, sem dúvida! Claro que o apoio dos fãs é sempre muito bom de sentir, e para mim, os fãs são o mais importante.



6- Conhece duas realidades culturais diferentes, a de Portugal e a do Reino Unido. A nível de apoios para a cultura e de oportunidades, quais as principais diferenças entre os dois países?
Eu não noto uma diferença enorme em termos culturais. No Reino Unido há festivais como em Portugal, há procura para música de alta qualidade e a estrutura de promoção e circuitos de bandas é praticamente igual. Sinto porém que existe muito mais competição no Reino Unido, numa escala maior, porque a população também é maior. O apoio dos média (rádio, imprensa etc) é muito mais acessivel em Portugal, e nesse sentido, Portugal está muito mais à frente, e muito mais aberto à ideia de passar músicas de artistas pouco conhecidos numa escala nacional.


7- Qual a origem do nome "Free"?
Quando decidi pôr os meus vídeos no YouTube, tive que inventar um nome para a conta. Eu sabia que o nome que iria escolher era o nome que iria colar, portanto decidi encontrar qualquer coisa que desse para pronunciar em todos os cantos do mundo, e com o qual me identificasse. 'Free' é uma palavra que aparece muitas vezes nas minhas músicas, e nos meus poemas e textos. É um conceito importante para mim, não sei porquê. Na altura não foi uma escolha muito consciente, mas agora estou muito contente por ter escolhido algo que significa muito para mim.


8- É conhecida por falar várias línguas. Porquê o interesse na lingua Grega?
Não sei! Adoro linguas, é verdade. Mas tenho uma paixão pela lingua Grega e consigo falar bem, ter conversas, ler e escrever um pouco. É uma lingua única, e quando vou para a Grécia, também me sinto em casa. É estranho. Comecei a aprender Grego no meu primeiro ano da faculdade, depois de aprender umas frases e palavras (e não, as primeiras não foram nada de palavrões!) e uma das minhas melhores amigas é Grega. Ironicamente, ela fala-me sempre em Inglês!


9- Que áreas culturais destaca em Portugal como as que se encontram em melhor posição? Se pudesse fazer algo para impulsionar a cultura, o que faria?
Honestamente, acho que Portugal tem uma cultura de gastronomia fascinante. A comida portuguesa é tao boa, e há tantas pessoas do estrangeiro que me têm dito o mesmo. Acho que é uma área cultural que continua a reinventar-se todos os anos. Os Portugueses também têm gostos diversos em termos de gastronomia. É optimo ter escolhas. Acho que a cultura da música ganha mais movimento na primavera e no verão, com as estações dos festivais, o ritmo das férias e a felicidade que trás o sol. Sinto que não posso comentar na cultura das artes por exemplo, porque não estou muito inserida nesse meio. Eu acho que para impulsionar áreas de cultura é preciso dar mais ênfase e destacar mais estas áreas no sistema escolar, por exemplo. Assim, nos olhos das crianças e geracões futuras, a importância da música, ou de arte ficará no mesmo nível que a ciência ou a economia.


10- Acha que Portugal dá o destaque suficiente a artistas nacionais que se encontrem no estrangeiro?
Acho que Portugal não perde o caminho dos artistas nacionais que se encontrem no estrangeiro de vista. É dificil destacar os artistas quando estão a viajar e a dar a volta ao mundo, porque é simplesmente dificil localizá-los em todos os cantos. Portanto, nem sempre há informaçáo 24 horas por dia sobre os novos acontecimentos. Eu sinto que Portugal me tem dado muita importância e tenho muito orgulho em ser Portuguesa.


11- Que conselho daria a quem pretende iniciar a sua vida profissional no estrangeiro?
Viver e trabalhar no estrangeiro é um desafio. A cultura é diferente, e há de ser ainda mais difícil adaptar quando não se fala decentemente a língua. É uma questão de saber quais os teus objectivos, as tuas razões e saber que nem sempre vai ser facil. Existem muitas saudades, às vezes solidão, mas como se costuma dizer, o que não mata, engorda!