Rui Sinel de Cordes é uma das novas caras do humor nacional. Ousado e de jeito tresloucado, Rui tem inovado o género cómico praticado em Portugal. Percorrendo caminhos de loucura e insanidade, conseguimos uma entrevista que tem tanto de sério como de cómico. Não fossem as coisas sérias feitas de comédia.
1- Fez a licenciatura em Ciências da Comunicação e ligou-se desde cedo ao teatro e posteriormente ao stand up comedy. De onde vem esse seu jeito natural para a comédia?
Lembro-me dos meus pais serem fãs do Herman José, o que fez com que desde muito cedo (talvez até cedo demais para a minha idade) eu tivesse acesso ao humor dele. Devido a esta influência, com nove, dez anos eu já seguia tudo o que o Herman fazia. É curioso pensar que se hoje em dia sou uma pessoa muito selectiva em relação ao humor – não me rio com muita coisa – já na altura o era, porque recordo-me de rir imenso com as rábulas do Herman nos mais variados programas e não achar muita piada a quase mais nada.
2-Além da comédia, que géneros é que gostaria de representar/apresentar?
Sou uma pessoa de extremos e como tal, o género que mais aprecio paralelamente à comédia é o drama. Mas o drama profundo, não estou a falar de novelas onde raptam a namorada do protagonista e durante 10 episódio todos pensam que ela morreu, mas acabam no fim a viver felizes numa Quinta em Évora. Refiro-me a estórias que acabam mal, com filhos desaparecidos ou amores terminados bruscamente devido à morte de um dos amantes. O humor negro aproxima-se desse meu gosto, porque é comédia, mas não é propriamente alegre. No entanto, é-me bastante difícil imaginar-me a fazer outro registo que não este, porque não sou actor nem tenho ambições a tal.
3- Qual é concretamente a sua profissão e como foi o seu percurso até à televisão?
A minha profissão baseia-se em estar em casa a jogar PlayStation enquanto espero que o telefone toque para trabalhar. Felizmente, até ao momento, o telefone tem tocado e vão havendo pessoas que compreendem o meu estilo de humor e querem ver-me a fazê-lo. Considero que tive um percurso feliz, porque depois de fazer muita formação na área foram-me surgindo oportunidades para começar a trabalhar como guionista em Televisão, Rádio e Teatro, sendo que sempre acompanhei esse percurso com a minha actividade de stand-up comedian, que é o que realmente gosto de fazer. O “Preto No Branco” surge na sequência da minha vontade de fazer uma coisa minha, com um estilo de humor com o qual realmente me identifico, decisão essa que considero a mais feliz e correcta da minha vida. Quando se passa muito a tempo a escrever guiões para outros, limitando criativamente o cérebro e seguindo uma linha imposta por outros, chega-se a um ponto de falta de respeito e amor-próprio enquanto criador e pensador de humor. Todos os criadores, nas mais diversas áreas, que conseguiram inovar e romper com o sistema fizeram-no correndo riscos e desafiando as regras existentes. E o humor em Portugal ainda está muito preso ao domínio de pessoas com uma mente retrógrada, quadrada e obtusa.
4-Como vê a recepção ao seu projecto no São Jorge? Como tem sido a experiência?
Não é apenas um projecto meu, é também do Salvador Martinha e do Ricardo Vilão, sendo que contamos ainda com a ajuda de um convidado, todas as noites. Falando do São Jorge Comedy Club em si, têm sido noites de stand-up comedy a sério, como se fazem nos comedy clubs britânicos ou americanos, sendo que o público tem correspondido em número e em qualidade. Ou seja, não só esgotámos a lotação da sala nas três noites como sentimos que tivemos um público conhecedor do que ia ver e com vontade de se rir, o que nem sempre acontece e neste género e é essencial.
5-Fale-nos um pouco do seu novo programa na SIC Radical. De onde surgiu a sua inspiração?
“Gente Da Minha Terra” será um programa de 10 episódios de 25 minutos, onde vou falar sobre Portugal. Em cada episódio vou a uma região e falo sobre a sua história, costumes, tradições, personalidades e acontecimentos recentes. É um programa onde o meu estilo de humor irá estar bem presente, bem como a minha veia crítica sobre tudo o que me rodeia, neste caso, o meu país. É normal vermos programas sobre Portugal onde só se fala das coisas boas e eu há muito tempo que queria fazer completamente o inverso. Esse meu desejo aliou-se à vontade do Pedro Boucherie Mendes (Director dos canais temáticos SIC) em ter um programa sobre Portugal e aí está ele a estrear dia 10 de Março, pelas 22h15.
6- Qual é a sua opinião sobre o actual estado da cultura no nosso país? O que é que deve mudar?
A Cultura em Portugal, nomeadamente na área que me diz respeito, está entregue à capacidade de trabalho dos actores, encenadores e algumas produtoras. O investimento feito pelo Governo é praticamente inexistente, o que faz com que os outros agentes culturais tenham de se valer a si próprios. A mim, o que mais me custa na falta de apoio governamental não tem a ver com dinheiro, mas com a ausência de ideias e de preocupação em providenciar outro tipo de ajudas, no que toca à divulgação e promoção dos espectáculos existentes. Em 2009, levei a palco o espectáculo de stand-up comedy “Black Label”. Produzi, escrevi, interpretei e divulguei. É lamentável que não se possa exigir ao Ministério da Cultura que contribua com distribuição e afixação de cartazes e flyers ou mesmo com tempo de antena em qualquer um dos canais do estado. A mim, agrada-me a justiça do escrutínio exercido pelo público. Eu não acho bem que se dêem subsídios a peças sem pés nem cabeça que estão 15 dias em cena com meia dúzia de gatos pingados a ver. Não me incomoda ganhar aquilo que a bilheteira me diz que mereço. Incomoda-me sim, haver público que viria a um espectáculo meu, mas não veio porque não tomou conhecimento da sua existência.
7- Que áreas culturais é que destaca em Portugal?
As telenovelas e os programas com pessoas a caírem à água.
8- O que anda a ouvir/ler?
Com ou sem lançamentos de álbuns recentes, há quatro artistas/bandas que oiço sempre: Sam the Kid, Valete, Keane e John Mayer. Neste momento estou a ler “God Hates Us All” de Hank Moody – o livro da personagem da belíssima série “Californication”.
9- Quais são os seus comediantes preferidos?
Jim Jeffries, Frankie Boyle, Jimmy Carr, Ricky Gervais, Dave Attel, Daniel Tosh, Andrew Lawrence, sempre com o espírito de Bill Hicks bem presente.
10- Se pudesse escolher alguém para governar o país quem seria?
Alguém que não fosse corrupto, chantagista, manipulador e dominado pelo espírito Nazi. Mas há muito que me deixei de interessar por política. Está para aparecer o político que me faça ir recensear.
11- Que conselho daria a quem quer fazer comédia actualmente? Considera que a comédia se alterou nos últimos anos?
A comédia altera-se ano após ano, mas historicamente as contas fazem-se a 10 ou a 20 anos. Uma carreira no humor não é um sprint ou uma prova de 100 metros, é uma maratona. Eu tento mudar o humor português todos os dias e sinceramente sinto que o faço. É impressionante os emails e as provas de apoio que vou recebendo diariamente e a quantidade de pessoas que se mostram contentes por agora terem uma opção de humor que não existia em Portugal antigamente. Ultimamente tem aparecido outra alteração que muito me faz rir, que é o surgimento do humorista-intelectual. É o humorista que pensa que para ser respeitado em certos círculos tem de saber falar de cinema, de música e dizer que gosta de beber vinho tinto enquanto lê Proust. Obviamente que o resultado não se traduz nem num humorista nem num intelectual. Traduz-se num estúpido.
O melhor conselho que eu posso dar a quem quer fazer do humor vida, é que não aceite conselhos de ninguém. Descubra o seu estilo, aquilo que lhe agrada fazer, seja original e não oiça o que os outros dizem, porque só lhe vão trazer ruído. E que nunca duvide do seu talento, se de facto o tiver. Porque o humor em Portugal ainda é gerido de forma merceeira, uma vez que muitas vezes quem trabalha mais fá-lo devido a amizade do que propriamente a talento. Conheço pessoas que trabalham pouco e que dão dez a zero a outras que não têm mãos a medir. Mas isso acontece em todas as áreas.
Peço desculpa se não fui engraçado nesta entrevista. Mas acabei de ver a entrevista do Miguel Sousa Tavares ao Sócrates e estou sem sentido de humor.
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