Cultura Activa

Entrevistas a várias personalidades ligadas à cultura

Wednesday, March 24, 2010

João Braga


João Braga é um dos melhores fadistas nacionais. Foi impulsionador da nova geração de fadistas, dando visibilidade a quem merecia.
O sportinguista de alma concede ao Cultura Activa uma grande entrevista, onde podemos ficar a conhecer melhor um dos grandes nomes do nosso país.

1- Começou desde muito cedo a cantar fado em Cascais e Lisboa. De onde surgiu este seu interesse pela música, nomeadamente pelo fado?
A minha atracção pela música aconteceu, creio, antes mesmo de começar a andar e ainda não tinha completado quatro anos dei-me conta de que conseguia cantar. O gosto pelo Fado só muito mais tarde, em 1962, é que me começou a invadir, por influência de um disco de Amália, o do “busto”, embora já gostasse de a ouvir interpretar outros géneros musicais e me entusiasmasse bastante com o som das guitarras. Esta aproximação ao Fado, numa idade algo serôdia para os “catedráticos” do género, que apenas concedem o estatuto de fadista a quem já cantava no colo da mãezinha, reforça a minha convicção de que para escutar o Fado, perceber a sua essência e, ainda mais, para o cantar, é preciso já ter vivido uns anos — o Fado é definitivamente, na minha opinião, uma canção adulta.


2- Como foi para si a estreia na televisão, num programa da RTP chamado "Alerta Está"? Como viveu esse momento e qual era a sua visão nessa altura perante um possível futuro de sucesso?
Nesse ano de 1967 começaram a acontecer-me muitas coisas ao mesmo tempo: saíram os meus primeiros discos, fui para a tropa, estreei-me nesse programa na RTP, e tudo isto no meio de um sucesso tremendo que não me modificou absolutamente nada, pois achei isso tudo natural.


3- Por que razão desistiu do curso de Direito?
Porque preferi a carreira artística à jurídica, e as duas não eram compatíveis, dada a forma intensa com que passei a exercer a primeira.


4- Como foi para si a participação no festival da canção?
Encarei todo esse episódio como uma experiência, mais ainda, uma aventura. O tema que me calhou atraiu-me sobretudo pelas palavras; o poema de Rita Olivais, “Amor de Raiz”, era muito bonito, foi por aí que aceitei participar e ainda bem que o fiz, porque o ambiente que encontrei era muito diferente daquele a que estava acostumado nos meios fadistas, mais aberto, mais desafiador, mais profissional.


5- Foi obrigado a ir para Madrid em 1974. Qual foi a razão que o forçou a sair do país e como era a sua visão perante tal facto?
Ainda hoje estou para saber por que me quiseram prender, a única coisa que sei a esse respeito é que Otelo Saraiva de Carvalho, então comandante da polícia política que substituiu a PIDE, o COPCON, assinou um mandato de captura em meu nome, mas com o espaço do motivo em branco, o que autorizava qualquer autoridade ou a pessoa a quem o documento fosse parar a meter lá o que bem entendessem. Quando regressei não obtive informação alguma sobre a causa de tal diligência, a não ser um pedido de desculpas, em nome dos militares, do Senhor Coronel Almeida e Castro, um homem alto, de porte digno e maneiras a condizer, quando regressado do exílio fui convocado para me dirigir ao 7º andar de um edifício na Avenida da Ilha da Madeira, ao Restelo, onde funcionavam os Serviços de Apoio ao Conselho da Revolução, para resolver a minha situação e aceitar a devolução de cartas, fotografias com familiares ou amigos e outros documentos privados que haviam subtraído da minha casa na Rua D. João V, nº 16, em Lisboa, quando as forças do COPCON, fuzileiros navais, se não estou em erro, juntamente com uns fulanos à paisana e braçadeiras do MDP/CDE, a invadiram derrubando a porta e levando tudo o que puderam, além da citada documentação pessoal: quadros a óleo, tapetes persas, loiças da Companhia das Índias, objectos em prata, garrafas de uísque, de conhaque francês, de vinho, de champanhe, e outras, discos, aparelhagem de hi-fi, molduras, peças de vestuário, águas-de-colónia, monitores de televisão, algumas jóias, um faqueiro antigo, enfim, tudo o que puderam na ocasião transportar, e que nunca mais voltei a pôr a vista em cima.


6- O seu CD "Cantar ao Fado" foi considerado por si como o melhor da sua carreira, por que razão, visto que editou imensos álbuns e EP's de enorme qualidade?
Era na altura a minha opinião, mas olhando hoje para os que fiz, realço igualmente o primeiro de todos, “É Tão Bom Cantar o Fado” (1967), “João Braga Canta António Calém”, de 1971, “Do João Braga para a Amália” (1984, o primeiro que continha poemas musicados por mim), Portugal” (1985), “Terra de Fados” (1990) e “Fado Fado” (1997), além do que saiu no ano passado, “Fado Nosso”. Embora hoje já não os cante daquela maneira, “Cantar ao Fado” continha quatro temas que gostei muito da forma como saíram no disco, “Ternura” (David Mourão-Ferreira), “Um Carnaval” (Alexandre O’Neill), “Bem Sei” (Fernando Pessoa), todos musicados por mim, e “Amália” (Manuel Alegre), com música de José Fontes Rocha.


7- De todos os países onde actuou, qual foi o/os que mais o marcou?
As actuações mais marcantes da minha carreira, fora de Portugal, foram: Barcelona (1970), Londres e Rio de Janeiro (ambas em 1977), Estrasburgo (1989), Nova Iorque (1998), Cidade do México (1999), Malmöe e Arzila (ambas em 2001), Recife (2007), e no nosso país, destaco as do Zip Zip (1969), uma no São Luiz (1991), outra no Teatro Nacional de São Carlos (1992, concerto dos 25 anos de carreira), na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa (2006) e outra ainda em Vila Nova de Cerveira (2007). Em termos absolutos foi uma em Vigo, por ocasião do prestigiado Festival Are-More de 2003, no Teatro Cine-Fraga, com cinco chamadas ao palco, no final, as últimas duas com pateada, o que nunca me havia acontecido — é uma sensação absolutamente arrepiante!


8- Como vê o actual estado do fado?
Orgulho-me da contribuição dada em prol da nova geração de fadistas quando, a partir de 1990, comecei a dar visibilidade a novas vozes, por entender que elas o mereciam. Considero que essa estratégia de apostar nos mais novos foi muito bem sucedida e creio que o Fado do tempo que passa se espelha na alta qualidade que a maior parte dos jovens que fui convidando acabou por demonstrar.


9- Qual é a sua opinião sobre o actual estado da cultura em Portugal? O que deve ser alterado?
Infelizmente a minha opinião está muito longe de ser favorável sobre essa importante área da sociedade portuguesa. Porque se já era uma desgraça manter-se a população portuguesa no obscurantismo cultural em que se encontrava há quarenta anos, é inelutavelmente pior a instilação de uma acultura pimba em que a mergulharam desde então. Alguma coisa tem de ser feita e quanto mais depressa melhor, começando pelo aperfeiçoamento qualitativo do Ensino e acabando com a subserviência quase caprina em relação a tudo quanto as multinacionais da cultura nos impingem.


10- Que áreas culturais destaca em Portugal e quais as suas preferidas? Fale-nos um pouco dos seus gostos pessoais na música, literatura, cinema, etc.
Acima de todas a Poesia, porque Portugal é um país de poetas, creio inclusive que é a única onde, em termos de escola, podemos pedir meças a qualquer outro, incluindo a Irlanda, com uma quantidade de vultos de invulgar qualidade, a mesma que se pode constatar nas obras de Pessoa, Camões, Florbela, Régio, Antero, Pascoaes, Homem de Mello, Sophia, Torga, e outros mais. Noutras áreas, a minha preferência vai para artistas como Vieira da Silva (morreu francesa), Maria João Pires (em vias de se tornar brasileira), Paula Rego (em Inglaterra consideram-na inglesa), Amadeu Sousa Cardoso (francês, para muitos), Pomar, Maluda; algum cinema que se fez entre os anos 30 e 50, com António Silva, Vasco Santana, António Lopes Ribeiro, Maria Matos, Ribeirinho, João Villaret, Alves da Cunha, mais alguns filmes de Manoel Oliveira; na prosa, Agustina Bessa Luís ou José Cardoso Pires; na música, a violoncelista Guilhermina Suggia, o pianista Sérgio Varela Cid, o tenor Tomás Alcaide, o guitarrista Carlos Paredes, as baladas de José Afonso, Bernardo Sassetti ou Rão Kyao; e, claro, o Fado, guitarristas e fadistas, com Amália Rodrigues à cabeça. Tirando isto pouco mais temos, infelizmente, de que nos possamos orgulhar na concertação mundial das nações.


11- É sportinguista assumido. De onde veio esse "amor"?
De pequenino, pois o meu pai fez-me sócio do Sporting Clube de Portugal um dia depois de ter nascido, pois fui dado à luz a um Domingo. Mais tarde a família foi viver para Cascais e eu deixei de ser sócio. Por volta dos meus dezasseis anos comecei a ler os estatutos do clube e percebi então por que não poderia escolher outro, dado que eles consagram muitos dos valores essenciais que norteiam a minha maneira de estar na vida — basta referir que naqueles tempos, para se ser sócio do SCP, era necessário ter-se o certificado de registo criminal limpo. Recuperei então a condição de sócio, já não por vontade paternal, mas por opção pessoal, até aos dias de hoje, podendo assim orgulhar-me de ser sportinguista a dobrar!


2 comments:

  1. Oi!

    Gosto muito do conteúdo deste blog - acho as entrevistas rápidas e directas com o "tempo de antena" necessário para cada convidado - e, portanto, gostaria de te enviar um mail. Precisava de falar contigo. Para onde te posso enviar um mail?

    Obrigado e continuação de um bom trabalho. :)

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  2. Olá. Muito obrigado =) Fico bastante contente que gostes do meu blog!
    Podes enviar email para aqui:
    jm140688@gmail.com

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